Nova via no novo setor "Buracada", recém descoberto em Três Picos, sendo uma opção de escalada rápida e muito interessante na região.
Durante o curso de guias do Centro Excursionista Brasileiro (CEB), que dura em média dois anos, os alunos são submetidos a diversas aulas e atividades, no intuito de serem capacitados ao posto de guia amador e voluntário da agremiação. Entre elas, estão as atividades de auto-resgate, abertura de trilha, primeiros socorros, manutenção de vias de escalada, equipamentos diversos etc. E uma destas aulas, trata justamente de um tema que muito me interessa: a conquista de novas vias de escalada.
Ocorre que, para esta etapa do curso, os alunos ficam incumbidos de, após terem as devidas aulas teóricas e práticas, realizarem uma conquista desde a sua concepção, trabalhando toda a questão de busca da parede, pesquisa sobre o acesso (planos de manejo, seminários de mínimo impacto, proprietários do terreno etc), planejamento de equipamentos e participantes, logística nas investidas, tipo de proteção a ser utilizado, montagem dos croquis e assim por diante.
No quesito "busca da parede", os alunos do atual curso de guias acabaram fazendo uma "descoberta" incrível: Uma afloração rochosa com diversas possibilidades de novas vias, ainda "virgem", em uma das mecas da escalada brasileira, conhecida como Três Picos. Trata-se de uma região conhecida por suas enormes paredes (com vias de até 900 metros), proteções espaçadas, acessos por trilhas longas e muito comprometimento.
Entretanto, mais recentemente, alguns novos setores estão sendo sistematicamente descobertos e desenvolvidos, proporcionando uma escalada um pouco diferente da tradição local, justamente por serem em setores mais diminutos, com vias esportivas e de acesso mais simplificado, o que aumenta a pluralidade de estilos e confere a possibilidade de escaladas mais rápidas, em um dia de "descanso", quando o tempo está "curto" ou simplesmente para se divertir, treinar e conhecer o tipo de rocha da região, sem necessariamente ter que enfrentar um longo dia na parede.
Neste âmbito encaixa-se o novo setor "Buracada", localizado no sítio homônimo, que deu origem ao seu nome, com acesso por carro até próximo das bases. Ao deixar o carro, o caminho ainda está pouco definido, pela pequena frequência atual, mas trata-se da subida de um morrote, em meio ao capim gordura, para acessar a pequena floresta presente na base da rocha. O trajeto total possui meros 400 metros, com 100m de desnível.
Feito o trabalho de encontrar a parede, contato com o proprietário para a devida liberação de acesso e planejamento como um todo, um grupo formado por Alexandre Nunes Fialho, Eric Flores Coelho, José de Alencar Silva Júnior, Zozimar Moraes (Menudo) e Antonio Dias, no início de setembro de 2022, após algumas investidas, finalizou a primeira via do setor, sendo nomeada de "Trabalho à Bessa" (4° V E1 - 25m), em homenagem à guia Cláudia Bessa, diretora técnica do CEB à época, e quem estava coordenando as ações do curso de guias. De lá pra cá, outros dois projetos foram iniciados e estão em vias de finalização, o que deve ocorrer muito em breve.
Em maio de 2023, surgiu o convite de ir ao aniversário do querido amigo (e também guia do CEB) Menudo, residente a poucos minutos do setor Buracada. Unido a isso, soube que o Alencar, recém formado guia do clube e um dos principais "descobridores" do setor, estava interessado em voltar no local, para finalizar um dos projetos. Por óbvio, me interessei pela empreitada e rapidamente esquematizamos uma parceria.
Foi então que, no dia 27 de maio, eu e Alencar nos direcionamos ao setor Buracada, saindo da própria casa do Menudo, aonde eu me hospedara, por volta das 8 horas da manhã, chegando ao local de estacionamento às 8:30h.
A estrada até determinado ponto é muito boa, possuindo um trecho final recomendado apenas para carros altos e, preferencialmente, com tração 4x4. De todo modo, o trecho final é relativamente curto e não significa um grande esforço, caso o carro seja deixado mais abaixo.
O início da caminhada segue ao lado de uma plantação, pela qual recomenda-se passar com cuidado, para não danificar nada. Após a plantação, deve-se subir direto pelo capim gordura, sempre em direção à parede, muito bem visível desde o início da trilha. Em determinado momento chega-se a um bloco de pedra, com uma cerca de arame farpado, justamente na divisão entre o terreno aberto (com capim gordura) e a floresta com vegetação mais densa. Nesta floresta, há uma trilha insipiente de poucos metros, até atingir de fato a base. Este trajeto, apesar de curto, foi feito em cerca de 30 a 40 minutos, já que estávamos com peso e porque lutamos um pouco com o alto capim, tentando formar uma trilha mais bem definida.
Chegando à base, me impressionei com as possibilidades e rapidamente, traçamos mentalmente algumas bonitas linhas. No final das contas, optamos por iniciar uma nova via, mais à direita da parede, em uma sequência de platôs e buracos, aparentemente tranquila, vista de baixo. Rapidamente nos equipamos e iniciei a conquista por volta das 9:30h da manhã.
O que talvez mais me atraia nas conquistas, é justamente a incerteza. A falta de informação prévia e a necessidade de "se virar", independente do lance que se apresente. E, muitas das vezes, acabamos nos enganando quando imaginamos uma coisa... e no final das contas, acontece outra bem diferente. Foi o caso desta via: Eu jurava que daria uma linha simples, talvez em terceiro grau, mas logo nos primeiros metros, a nossa realidade mudou significativamente. Após a primeira proteção, os lances começam a ficar mais verticais, com pouquíssimas agarras e demandando uma boa atenção a cada passada. O primeiro crux foi graduado em 6° grau e mostrou que teríamos trabalho naquele dia.
De todo modo, aos poucos, metro a metro ia sendo vencido, cada um com a sua particularidade, hora em lances de aderência, hora em lances de agarra, criateleira, domínio, passadas altas, platôs... enfim, uma escalada completa, com lances muito bonitos e que surpreendiam a cada seção vencida.
Por volta das 10:40h eu batia as duas últimas chepeletas da via, na sua parada dupla final, após 50 metros de escalada, contando com 16 proteções fixas, todas em chapeleta PinGo da Bonier, em aço inox 304. Além da parada dupla final, foi posicionada uma parada dupla intermediária, permitindo o rapel com uma corda apenas.
Quando chegou a vez do Alencar escalar para se juntar a mim, me espantei com a tranquilidade com a qual ele ia vencendo os lances, demorando pouquíssimos minutos para vencer todas as passadas, chegando à parada final exatamente às 11:05h. E o mais interessante foi acompanhar as palavras de prazer, a cada novo lance vencido, afinal, de fato, a via ficou muito interessante!
O rapel aconteceu igualmente de forma rápida e às 11:30h já estávamos ambos na base, organizando o equipamento nas mochilas. Aproveitamos para caminhar um pouco pelo setor, mapeando algumas possibilidades e vendo o andamento dos projetos não concluídos. Fiz também algumas fotos aéreas com o drone, sobretudo, para o desenho da linha da via na parede.
De volta ao carro, ainda tivemos tempo para saborear uma cerveja geladinha que deixáramos no cooler, brindando pela atividade e parceria magnífica! O resto do dia foi reservado para o aniversário do Menudo, sendo a coroação de um dia perfeito.
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