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Manutenção nas vias de Escalada das Ilhas Cagarras

Atualizado: 25 de jan. de 2022

Pense em um lugar paradisíaco, com vias de escalada de alta qualidade, vista diferenciada para o Rio de Janeiro e que ainda permite um belo banho de mar? Este lugar se chama Ilhas Cagarras!

Os conquistadores do Pico do Itabira, em seu cume, no ano de 1947
Rogério Bandeira guiando a "Posto 9" (4° Vsup E2 - 70m)

Meu primeiro contato com as Ilhas Cagarras foi em março de 2009, quando o Centro Excursionista Rio de Janeiro (CERJ) abriu uma exrcusão de barco para este local. Assim que a excursão foi anunciada, me prontifiquei a colocar o nome na "prancheta" e a pesquisar sobre o histório do montanhismo por lá.


Descobri que a primeira via da Ilha Cagarra (ilha principal do arquipélago), a "Sereias Desvairadas" (2° IIIsup), fora conquistada pelas escaladoras Lilian White, Simone Duarte, Valéria Conforto, Kátia Torres e Teresa Aragão, no ano de 1988. Além do fato de ser uma conquista exclusivamente feminina, pouco comum à época, o que mais impressiona é o fato do acesso ter sido feito com caiaques!


A ilha só receberia novas vias no ano de 2004, quando duas linhas foram abertas: a "Pedras Flutuantes" (4° IVsup - 75m), pelos escaladores André Ilha, Cláudio Martins, Kate Benedict e Miguel Freitas, em março, e a "Posto 9", conquistada pela mesma turma, com a adição do Flávio "Bagre" Carneiro, em junho do mesmo ano.


O que mais me chamava a atenção a cada nova foto ou relato que eu ia descobrindo, era, apesar de se tratarem de vias relativamente curtas e sem muitos mistérios, o fato de haver a necessidade de uma boa logística. Além do acesso (que, obviamente, demanda uma embarcação), há toda a problemática climática (seja chuva, ventos ou sol escaldante), a questão das marés, a logística de transportar o equipamento da embarcação ao platô inicial das vias, a enorme preocupação em não deixar nenhum equipamento cair (afinal, seria perda na certa) e toda a questão ambiental inerente da região.

Rafael Vilaça e Liane Leobons, na conquista da "Sereia Cagona", em 2009
Rafael Vilaça e Liane Leobons, na conquista da "Sereia Cagona", em 2009

Com as dúvidas relativamente sanadas, lá fui eu, no dia 21 de março de 2009, em companhia de uma animadíssima turma do CERJ, em busca de grandes aventuras. Como não poderia deixar de ser, levei todo o equipamento de conquista, na esperança de achar alguma linha disponível, o que se mostrou a melhor escolha possível, haja vista termos encontrado uma possibilidade muito interessante, à esquerda da "Sereias Desvairadas".


Neste dia, eu, Liane Leobons e Rafael Vilaça, conquistamos a "Sereia Cagona" (4° VI E1/E2 - 115m), o que viria a ser a via mais longa e de maior complexidade da parede, contando com lindas passadas em aderência, agarras e cristaleiras, protegida por grampos de meia polegada, em aço carbono, devidamente batidos à moda antiga (ou seja, na mão!). Ok... confesso que hoje, olhando para trás, penso que o nome da via poderia ter sido MUITO diferente, mas na época, ficamos tão, mas tão impressionados com a quantidade de excrementos das aves locais, que o nome parecia bastante adequado.

Flavio de Lima, durante a manutenção da "Sereia Cagona" em 2018
Flavio de Lima, durante a manutenção da "Sereia Cagona", em 2018

Quase 10 anos mais tarde, no dia 8 de julho de 2018, decidimos retornar à ilha, com a intenção de realizar a manutenção desta via, trocando os grampos de aço carbono por poderosos grampos de titânio, já que as proteções originais não teríam uma vida útil muito extensa, considerando o ambiente salino. Fomos eu, meu filho João Pedro e minha esposa, Laura Petroni, de "carona" no veleiro Maki, dos queridos amigos Flavio de Lima e Antonio Carlos "Wally", do Centro Excursionista Brasileiro (CEB).


Desta vez, contávamos com um bote inflável, que nos permitiu transportar os equipamentos do barco ao platô inicial, sem precisar de tonéis, ou sem precisar entrar na água, o que facilitou muito a logística, apesar do enorme perigo de furar o bote nas cracas presentes na parede da ilha. Felizmente, toda a operação ocorreu sem contratempos, nos permitindo iniciar os trabalhos ainda bem cedo.

Pedro Bugim, Flavio de Lima, João Pedro, Laura Petroni e Wally, após a manutenção de 2018
Pedro Bugim, Flavio de Lima, João Pedro, Laura Petroni e Wally, após a manutenção de 2018

João Pedro e Wally permaneceram no barco, como equipe de apoio. Laura subiu até a metade da via, colaborando com o carregamento de equipamentos. Eu e Flávio fomos até o final da via, aonde, inclusive, conquistamos mais 15 metros de parede, aumentando a metragem da linha para 130 metros. Na descida, viemos fazendo a árdua tarefa de sacar os grampos de aço carbono originais da conquista e de fixar os novos grampos Turtuga, de titânio. Infelizmente, a cola química utilizada para a fixação destes grampos não foi suficiente, ficando pendente a primeira enfiada.


Foram necessários mais 3 anos e meio, para que o serviço na "Sereia Cagona" fosse concluído. Mas a espera valeu à pena, já que nesta última investida, a turma foi maior e a área de foco, também. Ocorre que as vias do André Ilha e cia, foram abertas com grampos "P" de inox, sabidamente problemáticos, pois estes grampos artesanais, produzidos em aço inox soldado, estão sujeitos a um processo de corrosão que pode levar à ruptura da peça mesmo sob cargas leves, como o peso do escalador (embora seja algo raro de ocorrer). Por esse motivo, há uma movimentação grande de alguns montanhistas, para que as vias de sua autoria sejam manutenidas com proteções mais adequadas - no caso de vias à beira mar, com grampos de titânio, ou proteções em aço inox 316L, sem solda.

Em pé: Ingrid, Bagre, Rogerio e Giovanna. Sentados: Lucas, Laura, Pedro, Igor e Cassiano. A equipe da manutenção de janeiro de 2022
Em pé: Ingrid, Bagre, Rogerio e Giovanna. Sentados: Lucas, Laura, Pedro, Igor e Cassiano. A equipe da manutenção de janeiro de 2022

Assim sendo, capitaneados pelo André Ilha, montamos uma "força tarefa" para a manutenção das vias "Pedras Flutuantes" e "Posto 9", além da finalização da "Sereia Cagona", composta por mim, Laura Petroni (FEMERJ), Flávio "Bagre" Carneiro (FEMERJ), Ingrid Dako, Rogério Bandeira (Light), Giovanna Vicentini (Light), Igor Mesquita (AGUIPERJ), Cassiano "Chuck" (AGUIPERJ) e Lucas Teixeira. Infelizmente, no dia da execução, o próprio André precisou desfalcar o time, mas não sem antes, colaborar - e muito - com equipamentos e informações preciosas, além de ceder todos os grampos de titânio para as duas vias nas quais participou da conquista.


Outro ponto extremamente positivo desta ação, foi o apoio técnico entre a FEMERJ e o Monumento Natural (Mona) do Arquipélago das Ilhas Cagarras prestado na forma da dsponibilização de uma embarcação. À Tatiana Ribeiro, gestora do Mona, fica aqui um enorme agradecimento, assim como ao capitão Sérgio, que nos conduziu à ilha de forma segura e divertida.

Galera no platô da base das vias
Galera no platô da base das vias

A data escolhida foi o dia 22 de janeiro de 2022, um sábado de muito sol, mas com um vento agradável que permitiu-nos "trabalhar" sem muito sofrimento. O encontro ocorreu às 7h no píer em frente ao Bar Urca, no bairro homônimo. Apesar do embarque com muitos quilos de equipamento, em poucos minutos já estávamos rumando para o nosso destino, atingido antes mesmo das 8h da manhã.


As vias na Ilha Cagarra são um detalhe à parte: Muitos lances bem verticais, regletes pequenos, mas perfeitos, aderência boa, vista estonteante! Nem mesmo as fezes das aves são capazes de tirar o brilho das escaladas naquele local. Isso sem contar com a impressionante vista do mar logo abaixo de você, nos brindado, por muitas vezes, com raias gigantescas, flutuando sob a água.


Antes de nos lançarmos ao mar, empreendemos certo tempo para conversarmos sobre a logística, passarmos as últimas instruções e revermos alguns "macetes" para o serviço de ancoragem química. Feito isso, o Cassiano nadou até o platô da base das vias, levando consigo uma corda que serviria para içar o equipamento, carregado dentro de um enorme tonél plástico. O trabalho de içamento parece árduo e demorado, mas com uma turma relativamente grande e com tamanha empolgação, acabou sendo feito em poucos minutos. Dividimos a equipe em dois grupos de quatro escaladores para cada via, ficando eu, Laura, Igor e Lucas, responsáveis pela "Pedras Flutuantes", enquanto que o Cassiano, Rogerio, Bagre e Giovanna, se incumbiriam da "Posto 9". Ingrid permaneceu no barco, com todo apoio técnico necessário.

Pedro Bugim, guiando a "Pedras Flutuantes" (3° IVsup)
Pedro Bugim, guiando a "Pedras Flutuantes" (3° IVsup)

Iniciei os trabalhos às 9:20h, guiando a Laura até o final da "Pedras Flutuantes", de onde comecei todo o procedimento de rapel, retirando os antigos grampos de inox e preparando os furos para os novos grampos de titânio. Enquanto isso, Lucas e Igor se encarregavam da metade inferior, assim como o outro grupo "tocava" o trabalho na via ao lado. Às 12:45h, era colocado o último grampo de titânio da "Pedras Flutuantes", totalizando assim a sua reforma, que contou com a retirada de 8 grampos de inox e a colocação de 10 grampos de titânio (pois as duas paradas da via foram duplicadas). Além destes, foi trocado também o segundo grampo da via "Sereias Desvairadas", comum às duas vias.


Já de volta ao platô, realizei a troca da parada dupla antiga da base, posicionando mais dois grampos de TI, parada esta, comum a todas as vias da parede. Aproveitei para posicionar uma parada dupla em chapeletas PinGo em aço inox 316L, mais à esquerda, para o início da via "Sereia Cagona" ser independente da única parada dupla que havia no local.

Laura Petroni na "Pedras Flutuantes" (3° IVsup)
Laura Petroni na "Pedras Flutuantes" (3° IVsup)

Feito isso, voltei a subir de prussik, usando a corda que ainda estava no meio da "Pedras Flutantes", para acessar a enfiada inicial da "Sereia Cagona", através de um rapel em diagonal. Nesta manobra, consegui acessar todas as proteções antigas desta via, em aço carbono, para que as mesmas fossem sacadas, dando lugar a proteções em chapas PinGo de inox 316L. Findados os trabalhos, por volta das 13:40h, a via passou a contar com uma parada independente na base e proteções em chapeletas até a P1, que foi substituída por dois grampos de titânio. Logo à sua esquerda, há mais uma chapa, dando prosseguimento aos lances horizontais. Passada esta chapa, a via inteira conta com proteções em grampos Tortuga, de TI, até o seu final. Ainda foi posicionada uma chapa PinGo em inox 316L na extrema direita do platô da base, possibilitando assim a montagem de uma linha de vida ao longo do mesmo, facilitando toda a operação.

Flávio "Bagre" Carneiro, trabalhando na "Posto 9" (4° Vsup)
Flávio "Bagre" Carneiro, trabalhando na "Posto 9" (4° Vsup)

Neste momento, o serviço da "Posto 9" estava a mil por hora, quando alguns imprevistos com a cola e com a furadeira foram determinantes para que o serviço não fosse 100% finalizado. Mesmo com todo o esforço coletivo, apesar da maioria dos grampos de titânio terem sido colocados, a parte superior da via ainda conta com alguns grampos em inox a serem retirados, assim como há a necessidade de posicionar a P1 com uma dupla de grampos de titânio.


Um dos novos grampos de titânio, na "Pedras Flutuantes", com Cassiano e Rogerio ao fundo
Um dos novos grampos de titânio, na "Pedras Flutuantes", com Cassiano e Rogerio ao fundo

Ah! E para quem não sabe, é sim permita a prática de escalada nas Ilhas Cagarras. Mas existem regras que são importante serem observadas: Além das questões óbvias (como não deixar lixo, não pixar, não danificar a vegetação, não cavar agarras etc), não é permitido o pernoite nas ilhas (sem autorização prévia), não é permitida a pesca a menos de 10 metros das ilhas e não é permitido acessar o cume após as escaladas, para a preservação da flora e fauna locais.

Grampos de aço carbono e inox, sacados das vias "Pedras Flutuantes" e "Sereia Cagona", junto com os grampos de titânio (Eterna e Tortuga), além da chapa PinGo e da Pulse, usada na operação
Grampos de aço carbono e inox, sacados das vias "Pedras Flutuantes" e "Sereia Cagona", com os grampos de titânio (Tortuga e Eterna, embaixo à esquerda), além da chapa PinGo e da Pulse, usadas na operação

Às 16h, estávamos todos de volta ao barco, exaustos, mas muito felizes, não apenas pelo trabalho, mas pelo prazer de escalar em um lugar tão incrível, na companhia de pessoas maravilhosas. Já estou contando os dias para a próxima investida, na qual tentaremos fazer a manutenção completa de todas as vias!


Linha das vias da Ilha Cagarra
Linha das vias da Ilha Cagarra
Croqui das vias da Ilha Cagarra
Croqui das vias da Ilha Cagarra

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