Novo setor de escaladas no Pico da Tijuca (PNT)
- Pedro Bugim
- há 7 dias
- 7 min de leitura
Contando com bonitas linhas, um acesso bem simples, uma vista espetacular e o advento de proporcionar um refrescante banho na Cachoeira das Almas após a escalada, o Contraforte Sudeste do Pico da Tijuca, curiosamente, não possuía nenhuma via de escaladas até muito recentemente.

Em junho de 2024, eu e Laura (que estava grávida de 5 meses à época), conquistamos a interessante "Chaminé S'Minino" no Morro do Conde, compondo mais uma opção na falésia da face sul desta montanha, aberto em 2017. Neste dia, com uma visão em um ângulo não muito comum, percebi que havia uma enorme parede na face Sudeste do Pico da Tijuca. Pesquisando sobre o local, percebi que realmente tratava-se de uma área desprovida de vias, o que, certamente, aguçou a minha curiosidade.
Algum tempo depois, com esta curiosidade em mente, convidei meu amigo Vinícius Araújo (Vini) para uma breve exploração no local, escolhendo o dia 19 de outubro de 2024 para tal. Ao acordarmos, tomamos (literalmente) um banho de água fria, pois o dia estava muito chuvoso. Mesmo assim, decidimos manter a programação, já que a ideia seria apenas explorar o setor. Nos encontramos por volta das 9h da manhã no estacionamento da entrada da trilha da Cachoeira das Almas, ponto o qual avaliamos (corretamente) ser o melhor acesso à parede, sendo recepcionados por uma chuva fina e insistente, além de muitas nuvens carregadas. De todo modo, mantivemos as mochilas carregadas de equipamento, assim como a nossa esperança em conseguirmos aproveitar o dia ao máximo.

Dito e feito: Após algumas horas de exploração, passando por diversas áreas ao redor do Pico da Tijuca, chegamos ao nosso objetivo principal, bastante animados por descobrirmos que já existia uma trilha muito bem definida até cerca de 150 metros da parede, além de vermos que havia potencial para boas escaladas. A parede estava completamente molhada, o que nos deixou inicialmente frustrados, entretanto, na linha mais promissora percebemos uma sequência de cristais com agarras, o que nos encorajou a colocarmos o equipamento e arriscarmos alguns movimentos, conseguindo avançar 15 metros e posicionando 3 chapeletas até sermos vencidos pelos lances enxarcados, em aderência.
Nossa segunda investida veio logo depois, no dia 28 de outubro. Uma vez mais, meu xará São Pedro resolveu mandar outra forte chuva, o que não nos fez desanimar. Aproveitamos para explorar um pouco mais a base, definirmos a trilha definitiva para a parede e ainda iniciarmos outra conquista em uma linha iniciada em agarras que apesar de bastante molhada, nos permitiu subir pouco mais de 15 metros, colocando 4 chapeletas até novamente sermos barrados por lances delicados em aderência molhada.

Finalmente, no dia 6 de novembro, conseguimos uma "janela" de tempo bom, em um dia de céu azul e com temperatura bastante elevada. Com sangue nos olhos, aproveitamos para otimizarmos cada minuto disponível, chegando à base por volta das 8:30h da manhã e rapidamente recomeçando a conquista da primeira linha iniciada na primeira exploração. Vencemos as cristaleiras iniciais, que evoluem para lances alternados entre agarras e aderência, com algumas passadas mais delicadas, até atingirmos a primeira parada a 45m de altura em um confortável platô.
Após a P1 há uma enfiada curta - de 30 metros - devido ao arrasto da corda, pois neste setor, além de um bonito lance mais vertical em grandes agarras, há algumas diagonais à direita, passando alguns trechos de vegetação. Novamente a parada é feita em um confortável platô. A última enfiada é a mais longa, contando com exatos 60 metros, apesar de representar os lances menos complexos da via, hora em aderência, hora em agarras. Destaque para os incríveis veios de cristal que cortam toda a parede horizontalmente, criando lances muito estéticos e interessantes.

Conseguimos estabelecer a terceira e última parada por volta do meio dia, quando finalmente paramos para apreciar a belíssima vista, a qual se estende desde o mar, pegando a Pedra da Gávea até a zona norte, apresentando a Ponte Rio-Niterói e a Serra dos Órgãos ao fundo. O rapel foi feito com corda única (há paradas duplas intermediárias permitindo o rapel com uma única corda de 60m) e aproveitamos para intermediar alguns lances que haviam ficado mais expostos, chegando à base às 13h. Por conta das duas investidas na chuva e pelo Vini já ter se fantasiado de Noé durante o carnaval, resolvemos batizar a via de "Noé e o Dilúvio" (rs...), graduada em 4º IVsup E1 D1 - 130m, sendo uma opção muito interessante.

Com relação ao acesso, basicamente deve-se pegar a trilha da Cachoeira das Almas, passando direto por ela e seguir descendo. Após cerca de 10 minutos, há uma pequena ponte que cruza o córrego, sempre em uma trilha extremamente bem demarcada. Cerca de 150 metros após a ponte, há um enorme bloco de pedra na esquerda da trilha - é o ponto de referência indicando a bifurcação para uma trilha menor, subindo à direita (logo após o bloco). A subida leva cerca de 15 minutos, até chegar em um ponto em que a trilha volta a descer (levemente), com uma curva acentuada à esquerda e de onde é possível ver de relance a parede. Pegar a bifurcação à esquerda, desta vez em uma picada insipiente demarcada por totens de pedra, até a parede (cerca de 150 metros). São aproximadamente 25 minutos de trilha muito leve e agradável, sempre na sombra, além de permitir um refrescante banho no córrego ou na Cachoeira das Almas, no retorno da escalada.

Depois desta conquista, eu e o Vini tivemos alguns desencontros, impedindo que voltássemos juntos ao setor ainda em 2024. Entretanto, aproveitei dois dias mais "calmos" pela manhã e fiz as duas investidas em solitário dos dias 13 e 19 de dezembro, para conquistar a belíssima "As Dez Pragas do Egito" (5º VI A0 E1 - 95m - Mista), iniciada em uma bonita fenda em arco para a esquerda, protegida em móvel, evoluindo para lances super delicados e com algumas passadas esporádicas em artificial fixo, até a sua primeira parada. A segunda enfiada perde complexidade, mas mantém lances muito agradáveis em agarras e aderência, até a sua segunda e última parada, a 95 metros de altura.

Curiosamente, o primeiro dia de investida desta via estava chuvoso e representou o maior desafio de todas as investidas, para que a fenda inicial fosse vencida, já que estava molhada, além de ter sido feita em auto-segurança. Neste dia houve inclusive uma senhora queda, por conta de um cristal que quebrou, detonando a minha mão esquerda... nada que segurasse a vontade de continuar e finalizar a via na segunda investida. O nome foi escolhido para se assemelhar à questão bíblica, conforme a primeira via, além de fazer menção às formigas, mosquitos e moscas sinistros enfrentados na base!

Já em 2025, conseguimos (eu e Vini) marcar uma nova investida no dia 20 de janeiro, aproveitando o feriado, para fecharmos a linha que havíamos começado no segundo dia de exploração, ainda na chuva. Para nossa surpresa e total desespero, foi um dos dias mais quentes do ano, nos fazendo sofrer absurdamente para conseguirmos conquistar os 45 metros da "São Pedro Tá de Sacanagem", uma belíssima (embora curta) via predominantemente em agarras pequenas, cristais e aderência, graduada em Vsup E1 - 45m.

Trata-se da linha mais à esquerda da parede, caracterizada pelas barrigas e cristaleiras horizontais, que cortam toda a sua extensão, criando lances muito interessantes. Possui parada dupla no final e parada dupla intermediária, permitindo o rapel com uma única corda de 60m. O nome, claro, foi em alusão às nossas idas ao local, que ou aconteceram em dias chuvosos, ou em dias de extremo calor....
Já no dia 27 de fevereiro de 2025, eu e Vini voltamos ao PNT, munidos de todos os equipamentos, na intenção de investirmos em uma linha visualizada desde a conquista da primeira via na parede, sendo uma linha bastante natural, aparentemente seguindo diversas cristaleiras e "churreiras" em diagonal, para a esquerda.
Pela particularidade da parede possuir uma forte barreira de vegetação que percorre quase toda a extensão da base, optamos por começar compartilhando a primeira enfiada da via "Noé e o Dilúvio", fazendo uma horizontal à partir da P1 desta via. A horizontal em si é bem simples, sempre com grandes agarras para os pés, mas é extensa, o que confere também ao participante, uma dose de emoção. A P2 foi estabelecida após 60 metros, feitos praticamente em horizontal e diagonal, sempre à esquerda. O crux desta enfiada fica logo após a parada dupla intermediária, sendo um dos poucos lances que demandam mais atenção em toda a via. A terceira e última enfiada possui 60 metros e segue em lances bem tranquilos, boa parte em diagonal para a esquerda. Há um lance de 4º grau, já próximo ao final da via, representando o crux desta enfiada.

Para o rapel, a via foi toda equipada com paradas duplas intermediárias, entretanto, devido à sua natureza peculiar, com muitas horizontais e diagonais, buscando sempre um traçado natural, optamos por "criar" uma linha de rapel mais agradável, saindo da parada dupla intermediária da metade da terceira enfiada em diagonal para a esquerda. Há uma parada dupla no meio do caminho e, com mais um rapel, chega-se à via "As Dez Pragas do Egito", pela qual a descida é finalizada.
Apesar de termos "terminado" a conquista em um único dia, eu ainda estava um pouco incomodado com o início propriamente dito da via, voltando dois dias depois, no dia primeiro de março, para, em solitário, conquistar uma linha diferente, que sai da sexta chapeleta da "Noé e o Dilúvio", aumentando assim boa parte da primeira enfiada e tornando as primeiras paradas independentes. Com isso, o trecho anteriormente conquistado em horizontal desde a P1 da "Noé e o Dilúvio" para esta nova via, tornou-se uma curta variante, que liga ambas. Ao final, a via foi graduada em 3º IVsup E2 D1 - 170m, sendo batizada de "A Serpente do Éden". Já a variante, ganhou o nome de "Passagem Bíblica" (III E1 - 10m).
Fica então a sugestão de um novo setor, com acesso bem simples e via incríveis (embora ainda um pouco "sujas"), com opções de diversas graduações e com boas proteções!
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