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Manutenção da Leste do Pico Maior de Friburgo

Atualizado: 14 de mar. de 2019

Relatório pessoal sobre a manutenção realizada em uma das vias mais clássicas do Brasil, a Face Leste do Pico Maior de Friburgo, em três Picos.

Os Três Picos de Friburgo
Os Três Picos de Friburgo

Voluntários que participaram da manutenção

Pedro Bugim, Julio Mello, Amarildo Chermont, Ademilton Nantes, André Ratamero e Luciano Villadino.


Histórico

A via Leste do Pico Maior de Friburgo data do ano de 1974, quando Waldemar Ferreira Guimarães (Waldo), Waldinar dos Santos (Vavá), José Bezerra Garrido e Guilherme Ribeiro finalizaram a conquista desta linha, que integra um seleto grupo das vias mais clássicas do Brasil.

Após sua conquista, a via sofreu algumas intervenções, com a colocação de proteções que não eram originais da via (sem autorização dos conquistadores). Entretanto, em meados de 2001, Jean Pierre e Ivan Calou, com o consentimento dos conquistadores, realizam um belo trabalho, sacando 11 destas proteções, trazendo de volta a originalidade da via. Nesta investida, apenas os novos grampos de ½” das paradas duplas foram mantidos, bem como as paradas criadas na 16ª e 17ª enfiada, justificadas pela considerável melhora do rapel.

Deste então, esta via, hoje com 44 anos de idade, permaneceu inalterada, contando ainda com suas proteções da época da conquista. Proteções estas compostas basicamente por grampos “p” de aço carbono 1020 de 3/8” e frágeis chapeletas com parabolts curtos (muitos sem expansão), seja para proteção em progressão artificial, para proteção de lances livres e/ou paradas.


Mobilização / Responsabilidade

Há tempos houve-se falar da necessidade de manutenção da via Leste, mas na prática, pouco foi feito para sua realização. Neste aspecto, cabe ressaltar que a responsabilidade da manutenção de vias de escalada não recai sobre instituições (parques, clubes e, federações etc) ou pessoas específicas. As manutenções são responsabilidade de cada escalador que se sinta apto a realizá-las, desde que sejam seguidos todos os preceitos éticos e boas práticas vigentes. Tão pouco, cabe aos parques e entidades, o direito de proibir o acesso a determinada via ou montanha. É importante frisar que cada montanhista é responsável por sua própria segurança, devendo ter ciência de seus atos e pleno direito ao risco. A função das instituições deve-se limitar ao fornecimento de informações e recomendações apenas.

Seguindo estas diretrizes, um grupo de escaladores do Centro Excursionista Rio de Janeiro (CERJ - http://www.cerj.org.br/), clube que detém o direito autoral da via em questão, mobilizou-se no início do ano de 2018, com objetivo de finalmente revitalizar a Leste. Com isso, além do conselho técnico do clube, os conquistadores foram consultados e o aval foi dado por unanimidade.


Proteções Utilizadas

Para o serviço, foram escolhidas as chapeletas de fabricação da Bonier (http://www.bonier.com.br/ancoragem-esportiva), sendo utilizadas especificamente as do modelo “PinGo” e “DuPla”.

Grande parte das proteções foi cedida através do Fundo de Incentivo ao Manejo de Trilhas e Vias de Escalada (FIM-TE http://www.femerj.org/informacoes/fundo-de-incentivo-ao-manejo-de-trilhas-e-vias-de-escalada/), programa este gerido pela Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro (FEMERJ), sendo o restante das proteções cedidas pelo próprio CERJ.

Proteções utilizadas na manutenção da Leste

A Manutenção

Importante! Todas as menções às paradas, enfiadas etc, são baseadas no croqui desenhado após a manutenção, disposto ao final deste relatório.

Os dias selecionados para a manutenção foram no final de semana dos dias 23 e 24 de junho de 2018.


Para o serviço, foram criados três grupos distintos, sendo o primeiro formado por Amarildo, Nantes e André, o segundo formado por Pedro e Julio e o terceiro, por Luciano e parceira (que preferiu não se identificar).


O primeiro grupo ficou responsável pela manutenção dos lances superiores da via, a partir da P11 (décima primeira parada da via). Com uma tarefa mais exaustiva, o grupo entrou na parede no sábado, ainda bem cedo, seguindo direto para a metade superior da via.


Na totalidade, este primeiro grupo fez a troca (colocação de uma nova proteção e arrancamento das proteções antigas) de 31 proteções, praticamente fechando todo o setor. Neste ponto, ficou faltando apenas a colocação de uma chapeleta logo após a parada do segundo artificial (o que deve ser feito em breve, mas não invalida a repetição da via), bem como o arrancamento de três proteções antigas no segundo artificial (entretanto, já contando com as novas proteções ao lado).


A segunda cordada, formada pelo Pedro e Julio ficaram responsáveis pela manutenção até a décima parada, logo após a primeira chaminé da via. Entraram na via por volta das 9h da manhã de sábado, concluindo na totalidade a troca de 31 proteções.

Já no domingo, houve o serviço do terceiro grupo, que realizou a manutenção da décima enfiada (entre P10 e P11), com a troca de 5 proteções.


Além da troca de todas as proteções intermediárias (exceto a proteção acima da parada do segundo artificial), todas as paradas da via foram duplicadas, seja com duas chapas rapeláveis, seja com uma chapa rapelável e um grampo de ½” ainda em ótimo estado.

Julio Mello na terceira enfiada da Leste

Sobre as proteções retiradas

Em geral, as proteções sacadas da Leste se mostraram em estado bastante precário. Não pela oxidação, pois em sua maioria, não foi possível reparar uma corrosão acentuada. Mas sim pela natureza das proteções e sua colocação.

Protegida prioritariamente em grampos com diâmetro de 3/8” (hoje em dia sabidamente não recomendados para lances em livre - no máximo, para progressão artificial), a Leste, afortunadamente, nunca manteve um elevado histórico de quedas. Mesmo porque, com a relativa facilidade na retirada da maior parte de suas proteções, supõem-se que já deveríamos ter presenciado a falha de uma ou outra proteção no caso de uma queda mais severa.


Os grampos que foram quebrados, saíram com poucas marretadas laterais. Já os que foram sacados inteiros, também rodaram e foram sacados com pouquíssimas marretadas. Além disso, havia o agravante dos grampos possuírem um tarugo com pouco menos de 5 centímetros, sendo que muitos deles estavam fixados com menos de 2 centímetros para dentro.


Já as chapeletas retiradas, em sua maioria, foram sacadas por completo, sem apresentar muita resistência, apresentando parabolts com cerca de 3 centímetros de extensão, muitos deles sem expansão.

Por fim, e ainda mais alarmante, haviam os stubais (grampos forjados de ¼” de diâmetro), que foram sacados com três ou quatro marretadas laterais, mostrando a fragilidade dos mesmos.


Grampos de 3/8” e chapas retirados da metade inferior da Leste. Detalhe para alguns grampos que estavam com poucos centímetros para dentro da rocha, enquanto que outros, saíram inteiros com extrema facilidade. Há uma chapa PinGo para comparação de materiais

Grampos de 3/8”, chapas e stubais de ¼” retirados da metade superior da Leste. Detalhe para os stubais que quebraram com grande facilidade e para as chapas, com parabolts sem expansão

Considerações

Muito se fala em manter proteções antigas nas vias mais clássicas, à fim de preservar a história do montanhismo. Entretanto, é perceptível que em diversos casos, estas mesmas proteções não estão em condições adequadas para seu propósito. Preservar a história do montanhismo deve-se entender por manter a ética e boas práticas forjadas ao longo de décadas. A modernização nas proteções também faz parte da história e deve ser estimulada, desde que se siga os preceitos da não alteração das características da linha quando da sua conquista, salvo autorização prévia das pessoas ou agremiações que detêm o seu direito autoral.

Outrossim, deve-se manter em mente que nem todas as proteções antigas representam risco, haja vista diversas proteções utilizadas antigamente com diâmetros acima do convencional, fabricadas em aço carbono 1020 e ainda sem corrosão aparente, por diversas montanhas em ambiente de serra. É importante saber distinguir cada tipo de proteção, com relação ao diâmetro, material utilizado e localidade em que foi utilizada. E mesmo que apresentam risco, cabe ao escalador (e apenas ele) tomar a decisão de efetuar a escalada ou não.


Um dos antigos grampos de 3/8” (especificamente, da terceira enfiada), ainda em bom estado com relação à oxidação, porém fixado com pouco menos de 2 centímetros para dentro da rocha (além, obviamente, do diâmetro desaconselhável para lances em livre)

Agradecimentos

Curiosamente, quando houve a ideia da manutenção da Leste (assim como de outras muitas vias), uma grande movimentação foi iniciada e muitos se propuseram em colaborar. No final das contas, houve pequena adesão, se comparada à quantidade de pessoas que se propuseram. Mesmo assim, todos que participaram foram extremamente competentes e comprometidos, conseguindo finalizar um serviço de tamanha magnitude em apenas um final de semana. Por isso, sou muito grato a todos os escaladores que lá estiveram nesta manutenção. Sou grato também ao CERJ e aos conquistadores da Leste, que foram extremamente solícitos e cordiais na liberação da manutenção por proteções tão distintas às utilizadas ainda em 1974. Cabe mencionar que todos ficaram extremamente contentes pelo serviço proposto e aderiram à modernização com muita felicidade. E por fim, agradeço ao programa do Fundo de Incentivo ao Manejo de Trilhas e Vias de Escalada (FIM-TE), que vem dando subsídio para que muitas de nossas vias sejam manutenidas.


Croqui aproximado da situação atual da Leste do Pico Maior

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